Costuma dizer o povo
Com a sabedoria que lhe é peculiar
No entanto a maioria
Vive como se fosse imortal
Preocupando-se com pequenos detalhes
Que não enriquecem
E apenas consomem tempo precioso
Acredito que apenas uma minoria
Pára, escuta e sente…
… A brisa que suavemente despenteia os cabelos
As gotas da chuva a rolar na pele
A areia molhada colada no corpo
Enquanto as ondas deslizam
Num embalo que adormece e envolve
Apenas alguns se perdem na magia
De contar as estrelas do céu
De dançar ao luar
De ver o seu reflexo no brilho doutros olhos
Apenas alguns provam o sabor do sal
Ao sentirem um arrepio com um toque
Ao gritarem contra o vento: ‘Amo-te!’
Ao darem e receberem um abraço
Que pára os ponteiros do relógio
Apenas alguns escrevem palavras na areia
Sem se preocuparem se de seguida
O mar vem e as leva para longe
A vida são dois dias…
Sentir o fervilhar
Do sangue que corre nas veias
A cada segundo que se escoa
É a verdadeira sabedoria
De quem sabe que esses dois dias
Podem trazer-nos o vermelho dum céu de Verão hoje
Ou a sede do deserto amanhã
Quando menos estamos à espera
Acontecem-nos as melhores coisas da vida
Às vezes também as piores se atrevem a espreitar
E a assombrar-nos de forma repentina
Sem aviso prévio, sem pedir licença para entrar
Mas falo agora de algo que me deixou realmente feliz
Quando menos esperava
Encontrei-o no Face Book
Fiquei na dúvida…
Seria mesmo ele?
23 anos é muito tempo…
As pessoas mudam
Ficam com mais rugas
Mudam o corte do cabelo
Mudam de estilo de roupa…
Mas há coisas que não mudam
O sorriso não muda
A profundidade do olhar também não
Era mesmo ele…
Trocaram-se algumas mensagens
Marcou-se um almoço
Sónia Roque?
Aquela voz entrou no meu ouvido
Vinda num bafo quente e suave
Kiko?
Nos segundos que se seguiram
O mundo parou de girar
E num abraço apertado
Esmagaram-se longos anos de ausência
Tanto tempo deslizara no meio de nós dois
Como um rio que flui entre duas margens
Que não se tocam
Mas não havia constrangimento
Nem pausas entre as frases
Nem desvios de olhar
Havia sinceridade nas palavras que se soltavam
Havia prazer na partilha de histórias
Havia brilho nos olhos
No relato de momentos passados
Que bom ter-te reencontrado Kiko!
Vieste dar cor e magia à minha vida
Salpicar com flores perfumadas
A minha estrada de terra batida e sem cheiro
Inesperadamente...
Foi assim que nos encontrámos
Foi assim que percebemos
Que vibramos na mesma onda de energia
Que o tempo não destrói amizades
Valeu a pena
Voltarmo-nos a cruzar
Inesperadamente…
Cada vida é uma ampulheta
Com grãos de areia
Quantos são?
Ninguém sabe...
Algumas ampulhetas
Estão cheias de grãos de areia
No entanto, parecem vazias
Porque os grãos apenas caem
Passam de presente a passado
Sem serem contemplados
Outras ampulhetas têm poucos grãos
No entanto, cada grão que cai
É respirado, vivido e absorvido
Como se fosse o último
Há também algumas ampulhetas
Em que só a areia já caída é valorizada
Olha-se para ela sem se dar conta
Que mais grãos continuam a cair
Há ainda as ampulhetas
Em que apenas se olha
Para os grãos que nem sequer ainda cairam
Perde-se demasiado tempo a pensar
Como poderão vir a ser
Mesmo sem se ter a certeza
Que existem e que vão passar no estreito do presente
E afinal é tão somente esse que conta
É o aqui e o agora
O presente da vida...
Se o grão seguinte é negro...
Nunca o poderemos saber...
Se o próximo é dourado...
Quem sabe?
Temos apenas que vivê-los
Com a emoção que cada um deles exige...
Final de tarde…
Lá fora o mundo ainda gira
As filas de carros ainda deslizam devagar sobre o alcatrão
As pessoas ainda correm para apanhar o autocarro
E aos portões das escolas as crianças amontoam-se na pressa de irem para casa
À mesma hora
Na tasca do Paulo
Há um misto de paz e diversão
A porta faz de fronteira
Entre duas realidades distintas
Lá fora ficam os problemas
Ficam as agruras da vida
Os amargos de mais um dia igual aos outros
Lá dentro entram os sorrisos
Os abraços calorosos
Os apertos de mão firmes
Entre uma imperial e um pires de tremoços
Contam-se anedotas
Comenta-se o último jogo de futebol
Imagina-se o que se faria se saísse o Euromilhões
Os olhos brilham
As gargalhadas ecoam
E a música que passa na rádio completa um cenário
Onde todos se conhecem
Ou se passam a conhecer
O senhor Raul lê o jornal
Com os óculos na ponta do nariz
O João olha atento para a repetição do golo do seu clube
Enquanto acende mais um cigarro
E a D. Helena saboreia o seu café fumegante
Todos estão ali unidos com um propósito
Sentir o calor de quem faz uma pausa
Num espaço comum
A pessoas diferentes
Onde se trocam palavras soltas
Que se encaixam no vazio
Que faltava preencher…
Mais um mês, mais uma missa... e assim vai passando o tempo...
O tempo que não cura, ao contrário do que se diz...
O silêncio é ensurdecedor naquele espaço em que ninguém fala, em que se ouve cada respiração, o bater do coração e o pestanejar dos olhos.
Durante esses momentos há tempo para pensar em tudo... e para pensar em nada... para apenas esvaziar a mente... tarefa difícil!
A senhora na fila da frente ajoelha-se e reza de cabeça baixa e mãos em prece. O que pede, o que agradece, só ela sabe. Apenas se ouve uma ladainha impossível de decifrar mas que alguém lá em cima há-de entender se o mundo for perfeito. Que não é.
Até que o padre entra e todos se levantam. Este padre é diferente dos outros. Consegue transmitir paz, tranquilidade. Sente cada palavra que diz, medita em cada frase que pronuncia.
O seu olhar ilumina o mais escuro dos corações, a sua voz acalma a alma mais agitada.
Anuncia aos presentes que a missa é pela alma de Miguel Maria de Sousa e Melo. E um arrepio percorre o meu corpo de alto a baixo. É mesmo verdade... o meu Miguel...
'Que Deus esteja convosco', diz o padre... 'Ele está no meio de nós'... ecoam as vozes em uníssono...
Ele parece acreditar piamente no que diz... quem responde não tanto... Talvez apenas alguns sim, os outros apenas repetem uma frase que sabem que se diz em sequência da anterior. É um ritual. É assim há muitos anos e assim será por muitos mais.
As beatas cantam aleluia em vozes suaves e harmoniosas que ecoam nas paredes de pedra.
Recebe-se a hóstia e todos vão para casa mais aliviados, mais confortados ou exactamente na mesma como entraram.
Não foi perda de tempo, pelo contrário. Foi uma espécie de paragem no tempo para olhar um bocado mais para dentro de nós próprios. Quantas vezes nos permitimos fazê-lo? Quantas vezes estamos connosco próprios? Raramente... Esta é uma boa oportunidade de o fazer...
Daqui a um mês lá estarei novamente... sentada num banco de madeira...
Ensinou-me que pode não haver amanhã mesmo que tenhamos feito muitos planos
Que mesmo que o sol brilhe muito agora, pode já não brilhar daqui a pouco
Que a palavra ‘amo-te’ é proferida vezes demais porque quem não a sente e vezes de menos por quem a sente
Que quando caímos temos sempre duas opções: ou continuamos caídos ou levantamo-nos
Que devemos sempre ouvir os outros quando precisam que alguém os escute
Que não devemos ter vergonha de pedir ajuda quando precisamos
Que não devemos conter as lágrimas quando temos vontade de chorar
Que um amigo é quem está ao nosso lado mesmo que esteja fisicamente distante
Que às vezes um abraço forte e sentido vale mais do que mil palavras
Que às vezes precisamos de fazer disparates e seguir por caminhos menos certos
Que há almas com a mesma vibração que a nossa
Que devemos dar sempre uma segunda oportunidade a nós próprios
Que o facto de falharmos hoje não significa que falhemos sempre
Que o facto de hoje estarmos no fundo dum abismo não significa que não consigamos sair dele
Que por cima do céu mais nublado há sempre um sol brilhante
Que a semente mais tosca dá frutos lindos se cuidada da forma correcta
Que um sorriso dado a alguém na hora certa pode fazer a diferença mesmo que nunca o venhamos a saber
Que mesmo de joelhos podemos continuar a caminhar
Que uma hora de exercício físico por dia pode ser viciante e libertar a nossa mente
Que um desafio pode unir duas pessoas
Que devemos viver os momentos dourados das nossas vidas com toda a intensidade
Que assistir ao nascer do sol pode significar assistir ao nosso próprio renascer
Que se conseguirmos gritar mais alto que o som das ondas do mar a seguir nos vamos sentir muito melhor
Que correr na praia de manhã cedo pode alterar todo o dia que ainda temos pela frente
Que dar a mão não é apenas entrelaçar os dedos
Que os cheiros nos fazem transportar no tempo
Que uns olhos brilhantes iluminam mais que uma lâmpada
Que a palavra saudade tem um significado muito mais forte do que muitas pessoas lhe atribuem
Que quando se perde alguém muito querido a ferida nunca sara
Que o sabor da dor é salgado, arde mas não cura
Que quando temos dois caminhos para optar, devemos seguir o do primeiro impulso
Que o medo nos impede muitas vezes de sermos felizes e vivermos experiências únicas
Que se não acreditarmos em nós próprios mais ninguém o fará
Que mais que alimentarmos o corpo devemos alimentar o espírito
Que às vezes estar sozinho pode ser muito bom para nos conhecermos melhor
Que quando temos muita sede a melhor coisa que podemos fazer é beber água
Contudo ainda não sei o que vim cá fazer…