Ela estava ali!
Ainda agora estava…
Eu vi, juro que a vi!
Caminhava de costas para a lua
Na esperança de fugir da noite
Tinha o cabelo enfeitado
Com as pétalas vermelhas
Das rosas que lhe deste
Cada passo que dava
Ficava marcado na areia
Para de seguida
O mar o levar para longe
O vento arrancou-lhe
O perfume que tinha colado na pele
E espalhou-o… ainda o posso sentir…
Sente… inspira… Sentes?
Levava nos olhos
A tristeza de quem se perdeu
Da própria sombra
E vagueia ao sabor do instinto
Que com ela seguia de mão dada
Vai! Corre!
Leva-lhe o brilho das estrelas
Leva-lhe a música
Que o teu coração toca
Sempre que as vossas almas se cruzam
Dá-lhe a vida que se forma
Nos teus lábios cada vez que sorris
Vai! Corre!
Diz-lhe que ontem não é hoje
Que as ondas não morrem
Apenas se transformam
Que os vossos sonhos também estão vivos
Prontos para serem desembaraçados
Vai! Corre…
Deslizavam demoradamente
Sem que os ponteiros do relógio,
Na sua pressa de girar,
Se apercebessem que o tempo tinha abrandado
Como pedaços de veludo
Desprendidos em espirais perfeitas
Libertaram arrepios com sabor a mar
E cheiro a areia molhada
Dos poros rasgados na nossa pele
Soltaram-se uma a uma
Como salpicos de orvalho
Que nascem no primeiro grito da manhã
Os teus cabelos ensopados nos meus
Beberam dos mesmos riachos
Que arrastavam, em correntes de prazer,
Emoções que navegavam com rumo incerto
As minhas mãos entrelaçadas nas tuas
Transpiravam em poças de água quente
Onde não há horas contadas
Nem tempestades a conter
E nestas gotas de suor
Afogámo-nos em beijos
E encharcámos as nossas almas
De essências nuas de pudor
As minhas pálpebras abriram-se
A meio duma noite
Em que apenas o silêncio
Me falava ao ouvido
Senti frio
E sobre a pele nua de sono
Estendi a minha manta de sonhos
Esquecida e enrolada a meus pés
Pedaços de fios entrelaçados
Em remendos de esperança
Cosidos com uma linha fina
De seda suave e frágil
E buracos rasgados...
Por onde sentia escapar o calor
Que aquece a alma
De quem vê para além dos olhos
Por onde sentia passar o gelo
Que arrefece o sangue
Já sem forro
Por onde pudesse correr
E de mãos trémulas
Gritei no vazio da escuridão
E teci novos sonhos
Reforçados com nós que já não se desfazem
E num suspiro quente
Que adoçou os meus lábios dantes salgados
Adormeci vestida de sonhos
E despi-me de laços desgastados
Do deserto chega um vento
Quente e seco...
Despenteia os meus cabelos
E aquece a minha alma
Sopra devagar
Em espirais que se elevam
Em ondas sem espuma
Que me atravessam
Quando vem e por mim passa
Escreve o teu nome nos grãos que piso
E trilha o meu caminho
Com a marca dos teus lábios
E os meus pés caminham desajeitados
Na pressa de o agarrar
Para que não se evapore
E com ele te arraste para longe
Grito por ti...
Recebo de volta o eco
Que soa como uma sombra
Sem rosto
E só depois...
Quando já não me despenteia
Percebo que afinal eras tu
Esta tempestade de areia
Folhas rasgadas
Pisadas
Arrancadas com fúria do livro da minha vida
Outras passadas a limpo
Mas sem que valesse a pena
Na capa apenas o título
'A minha história'...
Quem escreveu?
Alguém conhece o autor?
Não, não fui eu sozinha!
Não tinha imaginação para tanto disparate
Para tanta história com final trágico
Se escrevesse um livro
Teria apenas capítulos cheios de luz
Esperem...
Vejo uma página dourada...
Brilha...
Será possível?
De quem é esta mão que agora se apodera do meu livro?
Da minha vida? E que enche folhas sem parar?
Lá mais à frente ainda vejo muitas em branco
Ainda por escrever
Espero que do mesmo tom... dourado...
Vou ficar para ler... E para viver...
Não vou fechar este livro!
Afinal ainda não está acabado!
Ainda tem histórias para contar...