Tropecei em traços
Riscados na senda
Da minha vida
Teci véus de seda
Para me esconder
Da sombra que fingi não ter
Entreguei tudo
Sismos da alma
Desmoronamentos do meu chão
Rasguei desilusões
Enterrei mágoas
Evaporei tristezas
Atirei palavras para longe
Afoguei parte de mim
No meu mar dos tormentos
Engoli soluços
Digeri escolhas
Feitas por mãos invisíveis
Descalcei-me de certezas
E caminhei assim...
Sem a luz da estrela polar
E eis-me aqui...
Grata pelo teu sorriso
Apaixonada pelo teu beijo
Sem palavras no teu abraço...
As luzes brilhavam
Em todas as cores
Aos milhares e milhares
Ao ritmo da música
Rostos de vários feitios,
Olhos de cores diferentes,
Braços elevados no ar,
Aplaudiam em uníssono
Senti cada batida
Cada acorde
Cada palavra
A ecoar dentro do meu peito
A fazer-me estremecer
Olhei para o céu
E agradeci ao Universo
Por estar ali...
Por poder voltar a sentir
A pular, a cantar, a dançar
Podia não ter sido possível...
Dias antes interrogava-me...
'Nobody said it was easy'
Um arrepio percorreu-me
Vértebra a vértebra
Pedaço a pedaço do meu corpo
'No one ever said it would be this hard'
Nunca ninguém nos diz...
Vai ser fácil ou difícil...?
O importante é viver
Só assim saberemos responder...
Ontem à noite
'I've dreamed of paradise'
Onde o calor humano
Aquecia uma noite mais fria
Ao deitar já de madrugada
As minhas pálpebras fecharam-se
Sorri e pensei:
'Viva La Vida'
Não sei se a estrela da manhã me aquecia
Ou se se escondia atrás de nuvens...
Não sei se o vento assobiava
Ou se acanhado não se fazia ouvir...
Esta manhã...
Não sei se era Verão ou Inverno
Se os rios corriam para o mar
Ou se o canto das sereias
Enfeitiçava marinheiros
Não sei se cheirava a flores
Se as andorinhas voavam
Se ainda era Primavera
Esta manhã...
Não me lembro se respirava
Ou se sustinha o ar que me alimenta
Não me lembro se o meu sangue
Corria desenfreado
Ou se hesitava e ficava quieto
Mas sei que pegaste em mim...
Como se eu fosse um novelo de lã
Delicado e macio
Enrolado na palma da tua mão
Entregue a ti...
Esta manhã...
Só consegui ver os teus olhos
Como dois berlindes brilhantes
Que me penetravam,
Trespassavam,
Me deixavam nua, sem véu...
Só consegui sentir o teu sopro
Donde brotavam palavras cantadas...
Gemidas num bafo quente
Capaz de me derreter
Como uma pedra de gelo esquecida ao sol
Esta manhã...
O único odor que me envolvia
Era o da tua pele
Embrulhada na minha
Em encaixes perfeitos
E em movimentos ritmados
Dançámos a mesma música
Tocada por tambores alvoraçados
Que nos furavam o peito
Que pediam que o tempo parasse
E não levasse com ele
Esta manhã....
Pareciam de algodão
Em forma de gomos de laranja
Ou de limão…
Olhava para elas
E via que o sol tentava rompê-las
Como eu quando tento rasgar
As cortinas de distância
Que ocupam sem piedade
O espaço entre nós dois
Mas as nuvens derretiam-se
Com tão quentes raios de luz ardente
Que aqueciam o areal onde me deitava
Ao longe as ondas enrolavam-se
Na música que vinha do bar
E eu estava no meio deste embalo
Imagens de nós dois dançavam
Nos meus olhos fechados
Quase que sentia o teu cheiro
A esvoaçar à minha volta
Na brisa que me varria a pele
Como plumas macias
Feitas do mesmo molde dos teus dedos
E numa amena tarde de Maio
Foi assim que encurtei
Caminhos sinuosos
Que te deixam longe
Da minha praia…
Quero ficar assim
Presa a ti
Por fios invisíveis
Tocados numa guitarra
Que grita notas de paixão
Quero ficar assim
Livre nos pensamentos
E nos sonhos
Livre nos sorrisos que desenho
Quero ficar assim
Enroscada no calor dos teus dedos
De olhos abertos ou fechados
Em momentos que imagino
Ou que me deixam marcas na pele
Quero ficar assim
Perdida no labirinto do teu abraço
Onde só encontro a entrada
E onde perco a saída que não procuro
Quero ficar assim
Sentir que flutuo
Tendo os pés colados ao chão
Deixar uma madeixa do meu cabelo
Caída no teu peito, desalinhada
E é assim que quero ficar
Devolvida à praia
Depois duma onda me arrastar…
Descruzei as pernas
Levantei-me e sacudi a areia
Que se tinha colado à minha pele
Enterrei os pés descalços
Nos grãos soltos e frescos
Que formavam dunas ao meu redor
Não sentia nada debaixo deles
Apenas um vazio
Uma espécie de abismo
Mordi a ponta do indicador
Para ter a certeza de que não sonhava
E senti dor
Sim, estava acordada...
Mas onde?
Olhei em frente
E ao longe
Até onde os meus olhos
Conseguiam deslizar
Vi apenas um risco laranja
Traçado num escuro de azul celeste
Era um traço ondulado
Que se movia
A cada sopro de vento
Formando letras soltas...
Dormente de alto a baixo
Foi como me senti de seguida
Sensação boa e única
Que se sente sem se sentir mais nada
Ao longe uma voz...
Não! Um sussurro...
Não percebi o que dizia
Mas aproximou-se devagar
Em forma de vulto de luz
Pegou-me como se fosse uma pena
E soprou-me...
E flutuei em espirais perfeitas
E por instantes
Fiz parte dum mundo
Que não era meu...
Num segundo caí
Como se tivesse sido alvejada
Por bala perdida sem direcção
Derrubada... sem forças...
Por um sopro que não era de luz...
Há seis noites que durmo
Numa cama que não é minha
Com lençóis de branco imaculado
Onde não habitam os meus sonhos
Mas sim...
As minhas asas estão a ganhar força
Dia após dia
Bem devagar...
Anjos de bata branca
Aliaram-se à minha batalha
E lutam como se fosse deles
Munidos de todas as armas que possuem
E eu, chamada por alguns
De princesa guerreira
Já sorrio...
E apesar de ainda não ver o sol
Nem a cor do céu
Já os vislumbro... já os sinto perto
E para lá esvoaço
Como se do ninho fosse sair pela primeira vez...